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segunda-feira, 14 de março de 2011

Coexistência

Hoje deixei de lado por algumas horas os hábitos cosmopolitas e a comodidade da tecnologia e resolvi sair de casa para pagar umas contas, assim como se fazia nos tempos dos nossos ancestrais. Peguei uma fila enorme correspondendo às minhas expectativas, e nos primeiros minutos em que fiquei ali uma raiva de todas as criaturas vivas naquela agencia lotérica tomou conta de mim, mas logo comecei a me concentrar na musica que saia dos meus fones de ouvido e a situação ficou mais suportável.  
Quando percebi que uma senhora me fitava com certa curiosidade, voltei minha cabeça para o chão e fiquei olhando para meus pés enfiados em um par de chinelos de dedo, em seguida reparei no que as outras pessoas estavam calçando e por mais incrível que possa parecer eu era o único que não estava de sapato, daí em diante outras características me chamaram a atenção. Havia no ar aquele clima tenso que geralmente toma conta dos lugares que existe uma grande circulação de dinheiro, todos se olhavam com ares de desconfiança como quem se prepara para alguma coisa desagradável, tipo um assalto.
Observando tudo isso, minha mente começou a trabalhar formulando várias teorias malucas como de costume e prestando atenção nas pessoas eu notei que a todo o momento alguém consultava o relógio na parede atrás do caixa numero cinco, encaravam os ponteiros pra intimidá-los numa tentativa desesperada de fazer com que corressem mais rápido, os que estavam sozinhos usavam seus celulares pra conversar com um alguém misterioso, maridos ou esposas, namorados ou namoradas, pais ou mães, tanto faz. Outros desfrutavam de companhia que sempre é um santo remédio quando o problema é matar o tempo, eu não tinha ninguém pra conversar, mas ouvia muito bem o que a música sussurrava pra mim, às vezes em forma de guitarras agudas e notas oitavadas, outras vinham como samplers mixados pra fazer base para boas rimas, o ritmo variava agradavelmente e me ajudava a passar o tempo do meu jeito.
A disposição das filas nos obrigava a ficar de costas para as portas de entrada, de forma que era impossível ver o que se passava na rua sem dar de cara com quem estava logo atrás, e como a maioria de nós prefere não passar por esse tipo de constrangimento nos contentávamos em saciar nossa curiosidade apenas apurando os ouvidos pra captar os ruídos da calçada. Os contatos visuais se limitavam a esporádicos olhares de soslaio enquanto se conferia o troco ou quando entravamos despretensiosamente no campo de visão uns dos outros, fora isso todos agiam como pequenas ilhas num arquipélago de coexistência involuntária.
O maior arquipélago do mundo.
Distraído com o painel onde colocaram os números da mega sena acumulada, não notei quando a senhora que me encarava quando tomei meu lugar na fila passava por mim ainda com aquele olhar de curiosidade. Sustentei seu olhar só para ver até onde ela agüentaria me olhar sem desviar os olhos para outro lado, ela topou o desafio até o memento em que tropeçou em uma criança que brincava com a caneta de preencher cartelas. Disfarçou a vergonha e seguiu porta a fora, ganhou a rua com um pouco mais de pressa do que o necessário. Os que estavam mais próximos a cena riram-se da atitude atípica da pobre senhora e eu me aproveitei do breve momento de distração aproveitei pra olhar para fora e notei que dia estava bonito. Olhei para o pedaço de céu (meio azul, meio cinza) que aparecia sobre o toldo da fachada e por alguns segundos eu observei as nuvens, até que alguém me cutucou para me indicar o caixa vazio com uma atendente tamborilando os dedos no balcão enquanto me fuzilava com os olhos.
Paguei minhas contas rapidamente e caminhei para a saída, aliviado pelo breve tormento que virou passado. Ao sair da agência dei uma ultima olhada no local e vi que alguns me olhavam com uma expressão que me pereceu inveja enquanto os demais me ignoraram completamente para prestar atenção na movimentação dos caixas que não era das mais velozes segundo a opinião geral. O relógio marcava exatamente quatorze horas e trinta e cinco minutos quando eu me virava para ir embora e ao me dar conta disso me lamentei pela hora perdida naquela maldita fila e logo em seguida fiquei feliz por não estar mais lá dentro, então resolvi ir buscar minha recompensa pelo meu sacrifício financeiro e psicológico em nome dos impostos pagos em dia: um enorme pastel de carne seca com queijo e um copão de caldo de cana.
Enquanto saboreava tal iguaria me dispus a refletir um pouco sobre o que vi durante a hora que passei naquela fila e da minha reflexão surgiu uma dúvida: O que é que nos torna tão individualistas e reclusos? Quer dizer, no meu caso posso expor os motivos com exatidão, pois são poucos e simples, trata-se de um misto de desinteresse pelo que acontece na vida alheia e uma predileção pelos exercícios mentais que exigem de mim um esforço maior, por exemplo, observar os ambientes a minha volta e extrair deles alguma coisa que valha a pena ser escrita ou compartilhada em conversações. Mas não consigo entender como as demais pessoas que sempre tentam fazer parecer que se importam com seus semelhantes simplesmente não se olham, não se falam, simplesmente não se comunicam. Claro que vez ou outra aparece alguém querendo puxar assunto, mas com essa eu nem conto, pois essa é uma iniciativa norteada pelo egoísmo, pela necessidade de despejar sobre um desconhecido algumas das suas frustrações só pra se sentir menos desprezado. Os princípios que regem a vida em sociedade me confundem sempre que tento pensar um pouco mais sobre eles, aquela imagem de cidadão respeitável que as pessoas na agencia tentavam passar até seria capaz de convencer desde que se ignoremos por alguns instantes a cultura nacional de sempre tirar vantagem quando se tem oportunidade, a isso dão o nome de inteligência, mas eu só consigo pensar em palavras que não são tão agradáveis como essa.
Todas as minhas tentativas de encontrar algum sentido em tudo isso falharam miseravelmente, talvez porque existam informações de mais para meu pobre cérebro processar. Pode ser que alguma conclusão apareça mais tarde ou que não haja nada para ser descoberto, mas no momento eu prefiro ficar na minha e deixar que as idéias sigam seu fluxo natural.
 Fato é que depois de cumprir com meus deveres cívicos e saciar a minha gula por comidas gordurosas eu pude voltar pra casa, mais especificamente para meu computador, com aquele sentimento de dever cumprido e levemente despreocupado, pois no fim das contas eu faço parte dessa massa e não me preocupo em realizar grandes mudanças, sendo um brasileiro afinal de contas.

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